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Nas escolas, nas ruas, campos e construções

Para mudar o futuro e vencer, a Esquerda precisa entender o que aconteceu no Brasil

Redação
Por: Redação Fonte: Blog Marcelo Diniz
23/03/2025 às 13h43
Nas escolas, nas ruas, campos e construções

Antes da eleição de Lula, em 2002 e sua posse em 2003, o Brasil era muito diferente! A classe média estava achatada, no Brasil, fazendo com que a população se dividisse, de um modo geral,  entre os muito ricos e os muito pobres. 

Casa própria era um sonho, os filhos nem pensavam em fazer faculdade, já que a quantidade de vagas era muito menor e as mulheres não pensavam tanto quanto hoje em ter um negócio porque o custo de investimento era muito mais alto e a estrutura educacional forçava-as a permanecer exclusivamente dedicadas aos cuidados em casa.

Para os homens essa situação levava a uma contradição: se por um lado eles detinham o controle financeiro da casa, por outro, não tinham com quem dividir a responsabilidade.

Com as políticas públicas de distribuição de renda, a volta do investimento em obras públicas e os acertos na Economia, o Brasil foi aquecendo seu mercado interno e gerando oportunidades que nunca se viu antes: pobre viajando de avião, comprando casa própria, conquistando vagas em universidades, foi se tornando algo cada dia mais comum.

Enquanto isso, a grande imprensa martelava denúncias de corrupção. Algumas com fundamento, outras, sem qualquer ligação com a realidade.

E conquistando muito do que sonharam, as pessoas começaram a sonhar mais alto. É natural: as perspectivas aumentaram e o governo precisava ampliar as mudanças.

Mas continuaram as denúncias de corrupção contra o PT e seus aliados. E a TV mostrou. E quem antes não tinha como dar opinião sobre esses temas, porque vivia tão ocupado tentando sobreviver que não tinha tempo pra ver notícias, passou a ser incentivado a dar opinião constantemente e sobre tudo, com o surgimento da cultura dos reality shows e o domínio de uma nova ferramenta que amplificava suas vozes: as redes sociais.

Com as crises internacionais, o mercado global ficou instável, os países ricos ficaram mais protecionistas e o ambiente ficou mais hostil a países como o Brasil. Resultado: desaceleração das mudanças. De repente, algumas dificuldades voltaram e as pessoas ficaram com medo de perder o que tinham conquistado. O avanço tecnológico que prometia diminuir a jornada de trabalho, junto com a precarização do trabalho formal, trouxeram o fenômeno da uberização travestida de “empreendedorismo”.

E diante do medo da perda, até aquilo que era considerado positivo (o fato de que os ricos também ficaram mais ricos mesmo com a distribuição de renda acontecendo no país) passou a ser visto com desconfiança: se a minha vida já não está melhorando na mesma velocidade, por que os bancos não param de ter lucro recorde? Por que o agronegócio movimenta mais e mais dinheiro?

É necessário lembrar que estamos falando de um país religioso (cada vez mais). A teologia da prosperidade foi se fortalecendo afirmando que aquelas melhorias eram obra de Deus e que os merecedores teriam seus dias de glória também aqui na Terra. 

O crente então pensa: “se Deus é bom e eu sou merecedor e esforçado, a culpa por meu dinheiro não render tanto quanto o do banco só pode ser do governo”.

Eis o pensamento resultante da união entre: Fé, Meritocracia e um cenário instável. 

Ninguém quer se sentir culpado pela própria derrota. O Ser Humano sempre procura um bode expiatório e se a TV diz que tem corrupção no governo, as pessoas já sabem pra onde direcionar sua frustração.

O governo passa a ser o adversário. A mulher que comanda o país passa a ser a inimiga contra quem vale até mesmo usar no carro um adesivo que simula um estupro toda vez que o veículo for abastecido.

E se mesmo com toda a hostilidade não for possível vencê-la nas urnas, arranja-se uma desculpa e promove-se o impedimento dela. Com as bençãos do Presidente do Congresso, homem da igreja e articulador voraz.

O problema com o medo é que ele é um sentimento que facilmente arrasta as pessoas para a irracionalidade. Isso é o que faz com que as pessoas passem a acreditar em absurdos como kit gay, nova ordem mundial, guerra espiritual e toda uma série de conceitos fantasiosos que a extrema-direita usa pra manipular as pessoas.

As pessoas passam a crer fielmente que Deus não está ajudando o Brasil porque os pecados do governo e “do mundo” entristeceram o criador e que é preciso “purificar” a Nação dos valores “comunistas”, da “sodomia dos veados” que agora ousam querer ter os mesmos direitos que a “família tradicional” e da desobediência dessas mulheres que depois que começaram a ganhar seu próprio direito, não querem mais obedecer seus maridos e por isso precisam voltar a serem “belas, recatadas e do lar”!

Então surge um “messias”, um salvador da pátria, pra purificar o Brasil e fazer com que Deus nos abençoe. Em nome de Deus, da Pátria e da Família, ele toma o poder (com uma mãozinha da imprensa, do Judiciário, do Congresso etc.) e começa sua cruzada contra o “sistema” que oprime os “cidadãos de bem”.

E como é que a Esquerda vai explicar para a população que aquele sistema contra o qual ela lutou por décadas, agora precisa ser protegido Ao ouvir um discurso como esse, a população se sente traída. Acha que a Esquerda está chamando-a de burra (e boa parte, intelectualizada quando os mais pobres não tinham acesso ao conhecimento, está mesmo).

Essas pessoas, ao ouvirem questionamentos como: “você é pobre e é de direita?” se sentem desafiadas e não acolhidas. E passam a reafirmar mais ainda sua posição, exercendo sua “liberdade”.

Vem uma pandemia, algumas contradições da extrema-direita ficam mais expostas e essa população então se divide, diante da dor por centenas de milhares de mortos e dos casos de corrupção esfregados nas suas caras sofridas, doentes e empobrecidas. Pessoas fazem filas para disputar rejeitos e ossos para a sopa do jantar.

Os setores democráticos se juntam na medida do possível pra combater o negacionismo e disputar as opiniões, mas sem admitir que o próprio cenário político e cultural mudou em relação às décadas anteriores. 

Uma parte da Esquerda percebe a demanda por resultados e topa o desafio de se desprender de uma receita que já deu certo, mas não dá mais. Disputa a gestão pública, mostra que pode melhorar a vida do povo, mas passa a ser vista com desconfiança pelas lideranças antigas e seus liderados. A divisão ganha força e permite que a extrema-direita retome terreno. O governo central se esforça muito para remontar o Estado destruído pela gestão anterior, mas encontra resistência no congresso. O Judiciário se esforça para punir os transgressores que atentaram contra a Democracia, mas eles dobram a aposta e continuam discursando com mentiras e ameaças. O povo fica confuso e não quer se envolver.

Qual a solução se nas igrejas as lideranças enriquecidas com o dinheiro dos fiéis continuam alimentando o medo?

É preciso ir a campo disputar a consciência das pessoas em seu cotidiano. E a esquerda não vem fazendo isso de maneira inteligente. Ao invés de fortalecer lideranças locais, prefere concentrar em expoentes de maneira concentrada, fazendo com que estejam distantes dos locais onde a vida do povo acontece. É preciso disputar as redes sociais, sim! Mas o povo confia em quem ele vê em seu dia-a-dia, em quem discute as ideias a partir do exemplo concreto, em quem se mobiliza com ele pra lutar partindo do micro para o macro. Trabalho de base é estar no meio do povo: “nas escolas, nas ruas, campos e construções”.

Mas isso dá trabalho e demanda investimento. Muito mais fácil se apegar a um ou outro case de sucesso e seguir ignorando as iniciativas que focam no âmbito comunitário. Daí quando o assédio a esses cases consegue convencer o povo de que não deve confiar neles, a gente volta à estaca zero. 

Em 2026 tem eleição e a extrema-direita já decidiu seu objetivo: conquistar maioria no Senado e utilizar os poderes que apenas aquela casa tem, como o de promover o impeachment de Ministros do STF, por exemplo. E nós? Vamos continuar falando pra nós mesmos ou vamos dialogar (escutar e trocar ideias) com o povo?

Acredito que está na hora de pararmos de falar em "volta às bases" tentando convencer dirigentes e passarmos nós mesmos a fazê-la. Existem pautas que mobilizam as pessoas e muitas vezes elas simplesmente não encontram quem direcione sua ânsia por mudanças e por isso perdemos contribuições significativas. Mas para isto é preciso ouvir muito e compartilhar a construção. Vamos juntos?

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Marcelo Diniz
Marcelo Diniz
Marcelo Diniz é host do podcast Marcelo Diniz Convida e Editor do Blog Marcelo Diniz.
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